24 de dezembro de 2010

Um Folhetim do natal.





Forcei a entrada nas pupilas, muito embora já não me refletisse nelas, muito embora as superfícies já não me aceitassem com reflexo imprimido assim; liso ou granulado, cônico e se afunilando; não! Refletir é íntimo demais.


Vou lhe contar da minha casinha em Abaiba, nos recantos das gerais. Havia duas galinhas, uma jabuticabeira e alguns pretos a rodear nas proximidades do natal. Havia a fruta preta estourando na boca, as aves rajadas afundando o quintal, os pretos vestidos de fruta, fervendo e transbordando sob sóis intermináveis. Havia eu. As poças que me recebiam em suas lâminas, me acolhendo disforme; um pedaço aqui, outro lá. Só porque era Natal.

Você tende a me desacreditar por nunca antes ter me visto por aí. Vai ver já viu, e só porque não era natal, me recusou. Mas pode me levar a sério. Não acredito em mamíferos que voem, que não os humanos. Não vendo meu corpo, minha alma, meu irmão ou minha bebida, a não ser por aquilo que de tanta e tão grande, não é mais moeda, é vontade absoluta.

Contaria mais da casinha, mas ando perdendo seus cômodos. Outro dia perdi o quarto para as horas insones. Perdi o corredor para o copo de leite, o banheiro para os gazes que minha mãe sempre me evitou, evitando-me o leite. A sala, perco aos passos das visitas dos velhos amigos e vou me perdendo na cozinha para os ovos. Eu que sempre perco as galinhas de seus filhos, assim, sem me remoer. Pois. Não mereço mesmo dormir.

A ideia deve ser simples. Estou num quarto, num hospital, numa cidade. Estou só sem conseguir me conter aqui. Deixa eu te contar essas bobagens. Assim elas vão embora para você ou para qualquer outro moribundo por aqui que nos esteja ouvindo. Pois você sabe, não é? Refletir é íntimo, ouvir é absolutamente trivial.

Sou totalmente ordinária, corriqueira e comum. E apesar desta cama, destes lençois mal cheirosos e de você aí que nem me cobriu direito as canelas, solicito em mim o arrendamento deste meu lugar. Não fosse a teimosia com o sol, com os pretos, com as galinhas e com a minha dor, as pupilas teriam me engolido, feito em mim mais três filhos duvidosos, três filhos transparentes, magros e límpidos. E sabe? Vou lhe contar. Há algo que o natal, todo Dezembro, me lamenta sobre pupilas, pretos e superfícies. O caos de arrependimentos anônimos nos televisores, nos outdoors e nos mercados. Não queriam ficar nus, não pretendiam me despir, não planejavam vir por trás, fitando os ombros enquanto eu mirava, diafanamente, em bumerangue, as poças no quintal.

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