29 de agosto de 2013

Combustível

A avó chega pálida da rua pela porta da cozinha. Pergunto:
- De onde a senhora vem com essa cara tão branca?
Entrando, serve uma xícara de café e se senta. Respira. A bufada exausta.
- Estava lá fora 'quentando o sol.

4 de agosto de 2013

Resposta

Como encontrar
Como dar
Como acreditar?

A moça, o preço a razão

Como parar
Como andar
Como combinar?

A volta, a ponte a paixão

Como aceitar
Se não se vê
Como rezar?

A morte, a prece, atenção

Como perder
Se não se tem
Como fazer?

Sem data
o tempo
é sem dor.


Como aprender
Como ler
Como acender?

A regra, a carta, o fogão

Como esquecer
Como ter
Como envelhecer?

O beijo, a calma, o amor

Como esperar?
Se o grito é só
Se o mundo é mar
Poema é embarcação

Como escolher?
Se é tudo igual
Melhor não ser
O muro entre eu e você

Como cair
Como abrir
Como abstrair?

O corpo, a porta, o rancor

Como engolir
Como rir
Como admitir?

O choro, o gozo, a prisão

Como encontrar
Se não faz sol
No meu lugar?

A busca tão cheia de cor

Como entender?
A vida em vão
Nunca caber


Resposta pra não responder. 

17 de junho de 2013

Juntos ao Brasil em Juiz de Fora.

Foto: Luiz Antônio Carmo, Lex.

Hoje, vimos cerca de 5.000 pessoas ocupando as principais Avenidas de Juiz de Fora. Apesar do imenso contingente de jovens, estudantes em maioria, era possível ver Idosos, famílias com crianças e  pessoas da geração de nossos pais. Havia a ordem para a intervenção da PM, caso o tráfego nas vias fosse interrompido. Pois, como disse, andamos em paz as principais Avenidas de nossa cidade numa caminhada apaixonada, sonorizada pelas vozes inflamadas em cabeças saturadas por tanto disse-não-disse, por tanto fez-não-se-fez. Globos, Anastasias e Dilmas dançavam nos cartazes e nas bocas; letras e palavras destronadas e desordenadas em ordem no passo vivo, no pulso forte.

Digo que, a despeito de qualquer filiação partidária, militância em causas quaisquer, muito justas ou não, ver o abalo das vontades e a atmosfera de vida potente ao redor, fez despertar certo orgulho, antes sem lugar, da minha geração, dos nossos contemporâneos. Nós, que de tão “bestas”, apáticos moribundos  alimentados à beira das precárias certezas Microsoftianas por babás Google, babás Games, babás Faces, nos cruzamos e nos movimentamos pelo poder da informação.  E, enquanto caiba, que fique uma correção, minha, à uma das máximas dançantes:  Posso ter “emergido” dele, mas eu NÃO SAÍ DO FACEBOOK. E se era isso mesmo, em lúdico, o proposto na dita faixa, comunguemos, pois.


Postas as impressões, me valem as potências do galope das vontades bailando pelas ruas sem medo e sem filtro solar. E, uma vez que muitos quilômetros nos falte percorrer para a real constatação de que “O Brasil acordou”, há pulso; e, cá entre nós, nessa forte respiração coordenada há um belo sintoma de vida.

3 de junho de 2013

Trago no rosto a sombra do outro
A lembrança do corte
Entre a luz e a razão

São lembranças gravadas
Por minhas vontades
No fluxo errante
De um coração

Trago no peito outro peito
Tão pobre de si
À procura de um leito

Onde saiba-se enfim
Quando acaba o começo
Se no olho do outro
Ou se dentro de mim.

Trago a busca no passo
da dança perfeita
na curva do cume
de um corpo sem fim

É um ser não se sendo
A visão rarefeita
A um meio caminho
Entre o não e o sim.

É a vela apagada
A visão sempre acesa
O balé torto e lento
Valsando os segredos
Da escuridão

Trago pistas na pele
Que me levam ao desejo
Para o próximo beijo
No céu de um portão.

27 de maio de 2013

Teias

Domingo, dia 26 de maio de 2013, o frio e a lua-cheia abissais davam o mote às calçadas, janelas e corpos na noite juiz-forana. Desde o começo da semana presente, eu e uma porção de pessoas estávamos ansiosas com o show que aconteceria no Teatro Pró-música. Expectativa confirmada pela fila extensa formada na porta da casa; todos gulosos pela degustação da presença e som ofertados por Rafael Castro e Túlio Mourão na pré-estreia da turnê do DVD a ser lançado, “Teias”. Pois. Já assentada, eu encarava a cortina vermelha que impunha sombra ao palco enlaçando o presente que aguardávamos das mãos escondidas nas costas do teatro. Então movimento, minuto e som. Desvendados os ouvidos, uma estrada de silêncio abriu-se no espaço da plateia. À frente, dois homens trabalhavam as mãos no ofício de contar histórias e distribuir arrepios. Eram as teias prometidas envolvendo-nos ouvintes, eles e nós, num diálogo aliteral, bi e multilateral, articuladas em pares, fibras vibravam num caos de entendimento mútuo. O que dizer do cenário? A genial disposição dos pianos em cena deixa Rafael e Túlio frente-a-frente numa bela metáfora visual. Os dedos, como máquinas, unem os nervos dos dois grandes instrumentos, eles sim, corações observáveis pulsando ao leve toque dos operadores dedicados.
O repertório delicado do Teias abrange muitas minúcias históricas e estilísticas, proporcionando espaços para performances impecáveis da dupla em arranjos que evidenciam a sintonia e a generosidade entre os dois pianos. A lista de músicas não é longa, fato que vem me fascinando no contato mais constante com a música instrumental. Quando, num show de uma hora e meia de canções, precisamos elencar cerca de 18 a 20, um repertório como o aqui citado é composto por 9, 10 temas. Parece-me haver, assim, a pretensão de se extrair de cada música todo o sumo, bebendo-o e embriagando-se para que, enfim, se possa brincar nas cordas vestindo, inteiramente, os seus impossíveis tons. E o que é, pois, brincar, senão perseguir com total fé o impossível?
Destaco, portanto, quatro retratos-chave que insistem na memória. Primeiro, o momento solo do jovem senhor Túlio Mourão, levando, como menino que manuseia intimamente da pipa a linha, a simples e encantadora “Maracangalha” a alturas e divisões surpreendentes. Em seguida, recorto; Rafael Castro abraçado ao acordeão executando “Cristalino” de Túlio com o mesmo ao piano.  Tema latejante, forte e muito bonito; belo e intenso como as dores que só as mulheres são capazes de entender. Então me vem, e talvez esta seja a imagem que mais me recorra na fronte ao recobrar a noite passada, um Rafael Castro entregue ao grande coração pulsante à sua frente. O olhar à procura do outro olhar, do outro operador, do outro. E Havendo a compreensão completa do respeito a si e ao momento, emerge sabedoria anciã na escolha do jovem pianista. Em seu momento solo, mudança de roteiro. À técnica, emoção. À virtuose, coração. Rafael escolhe tocar “Sob seus olhos”, música sua, que há não muito ganhou letra de Dudu Costa. E eu, por coincidência, na terceira fila, era uma das cinco pessoas no teatro que conhecia a recém-nascida canção. A melodia, ali órfã, foi passagem carimbada para uma viagem de muitos segundos inebriados.
Fechada a cortina, o vermelho repõe luz ao que parecia sombra, e a ansiedade precoce é substituída por um encantamento geral. Saímos do teatro orgulhosos pela certeza de que algo raro fora presenciado. E daquela noite, a lua-cheia, o frio, as teias e o som permaneceriam em nós; ternos e abissais. 




26 de maio de 2013

Sobre as sobras e medidas


(...) Acrescentou num tom triste.
"Pelo menos, não há mais espaço para crescer neste lugar."
(Lewis Carroll - Alice no país das maravilhas)

Natal, toda a família. As matriarcas, cada uma em sua hierarquia herdada da ordem cronológica. Os maridos sussurrando coisas de marido que não fogem às coisas dos homens.
Narro por observação das minúcias, não das importâncias, de forma que as vozes masculinas eram apenas deduções de uma leitura gestual. Imperava uma sinfonia feminina de tudo o que era audível. Os sujeitos de pernas cruzadas e costas curvas à frente do vão das cadeiras prostradas nos cantos. Do meu vestido vermelho, longo e espalhado no assoalho da sala eu as via de pé, tão maiores que qualquer coisa que já pude ver, e sonhei ser um dia maior que tudo, e nem que em um momento meramente Alice, sentir os braços atravessando as janelas e as consciências.


Minha gigante preferida, a tia forte, rebelde na juventude, que deu certo no que se diz ser certo dentro do clã. É lei que em todo natal alguém diga que eu, na verdade, pareço filha da tia, a própria. O que ninguém diz - pois por aqui não se externa o que não se sabe – é que dela tenho só o querer e gostos comuns. Em mim não existe coragem, nem sequer para parecer forte na mínima expressão disso que nela era evidente.

No fato do ‘tudo acaba’ acabou o jantar, mas a comida não. - É contraditório, que quase apago o ‘tudo acaba’, melhor, quase enfio um ‘quase’ medroso no meio. Começam a incomodar as panelas não vazias no final da mesa. É ruim quando o incômodo inquieta, fica evidente minha necessidade de pragmatizar tudo quanto é constância da vida, como se não fossem elas, já essencialmente pragmatizadas. - O vermelho do vestido foi substituído pela malha branca dum pijama de temática infantil e disposto ali num corpo corrompido, o sorvete, os palhaços e balões; derretiam, corriam ou subiam alto bem maiores que eu.

O natal cumprira seu papel. Todos se iam dormir aliviados das convenções que implica a data, quando em meio a meu próprio gozo aliviado um choro rompeu com a paz.

No quarto ao lado perguntei “o que foi”, dela eu via as costas, dobrando uma roupa e os ombros dançando uma dança arrítmica, balbuciou “nada”. Insisti na pergunta. Aliás, insisti na resposta repetindo a pergunta, “O que foi”, isso arrancou dela a base e palavras. Entre soluços convulsos confessou carência e incompreensão, requisitou demonstração atenta e carinho. Tudo num despencar de ombros, num abrir de mãos, brilhar dos olhos e contorcer da boca que molhou meus olhos. Um abraço era tudo o que havia em meus bolsos, dei a ela conseguindo achar no fundo do bolso de trás um “eu te amo” piegas e vital.
A queda tem o gosto do topo, e n’outro dia, depois de um almoço ainda cheio de arroz na panela ouvi a tia dizendo, enquanto o café entrava no copo, que ia se deitar, fez trocadilhos com o sentir da lágrima morna escorrendo no canto do olho, do jeito que só se sente após uma boa refeição, do jeito que só ela faz trocadilhos. Foi quando ela se levantou me olhando, - a mim e a xícara inclinada tomando metade do nariz - que eu pude entender. Perguntou se eu iria me deitar na cama com ela e com a avó. Era um convite despretensioso, franco, natural, dotado duma atenção que não saberia descrever. Só me via os olhos e perguntava a eles se eu desejava compartilhar o ser mulher na família. Não me esconderiam nada, falariam de tudo o que não falavam quando estávamos menores perto. Entendi daí que éramos iguais, que sempre fomos da forma mais perceptível algum tipo de árvore e fruto. Recobrar com aquele olhar e a pergunta acima da xícara, as confissões dos dois meses atrás, foi me levar à compreensão de que a coragem dela e minha fraqueza eram exatamente iguais em origem e conseqüência, sina e opção.

Duas horas depois, eu era 10 metros maior. 


21 de maio de 2013

Bem cozido.



O sentar na volta do fogo
Cabelo cria do vento
roupa roubada no ar.

Emoldurados os corpos famintos
O relógio na corda exaustiva
do respirar.

Eis como me vêm tais mulheres
E suas mãos indescritíveis
Sem vícios no rimar.

Entre as tramas da boca
liquefeita bala 
inebriada fala
fria de fogão

Na ciranda suja dos ventres
engrenagem torta e latente
que é a paixão

Mais que peito
Há pulsão

Se junto ao cozido
Temperado e bem servido
Se cozinha o coração.
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