26 de junho de 2012

Compilações

E já que eu tô amando novamente isto aqui, começo a remexer as velharias. Cara, é melhor que a terapia. Certa de que estou super bem, o que acontecia naqueles tempos?  Eu escrevia cartas sobre mamíferos, pintos e sinestesias; não havia o que fazer. Grande empatia por mim mesma lá, eu gostava. Eu curto. A escrita intensa. Rio. A cidade e o sentido da coisa, os homens, as moças e frustrações. Eu tô bem agora, tanto que não dá pra excluir tudo o que me trouxe até aqui. Alguns centímetros e menos intestino, menos estômago, menos fúria pra viver.
Alguns quilômetros de velharias, imenso resumo de uma fase. O orgulho de algumas, a vontade de entender outras, então. Vê lá.

Segunda-feira, 27 de Outubro de 2008

Conclusões esquizofrênico-diáfanas.

Todo mundo passa.



Elucubrações para Eduardo Café


   Edu, nós somos dois Ornitorrincos, somos sim. Eu passo o sono escrevendo os textos no Word, sabendo do problema que é escrever textos. Custam economia com analista, eu nunca sentada no divã, descrevendo as cenas e o cara lá, nunca fazendo cara de quem vai lembrar de mim pra sempre, é só pagar a saída, é só gemer baixinho na saída. Eu bato uma pro Word e ele me paga um turbilhão de sinônimos, antônimos e correções pra eu poder dizer de tudo usando hipérbatos bem bolados. Mocinha bem informada, inteligente, olha o vocabulário passando... que anca! Bato uma pro Word, é mais negócio.
Tem o argumento dos Ornitorrincos que você não entendeu, Edu. Eu não sei se somos aves, não sei. Tenho cá no bolso essa certeza de que somos mamíferos mas não sei se vale saber o porquê. Querer ser a ave, ter o bico da ave pra poder cruzar com a ave sem que seja transa histórica, que nem o Napoleão e toda a falta do pênis, sem filhos pra que não precisem mudar história nos livros. Mas dizem que somos mamíferos, importam as tetas. As rosadas, novinhas, tetas ingênuas nordestinas. Zona franca de Manaus.
   Sei que somos iguais em pontos e que o seu café-segundo-nome é meu vício sem ter nunca visto suas orelhas. Não te contei que a carta achada no livro do Vinícius era o texto que Frederico iria me pedir que fizesse dele. Não se sinta só, não me contaram isso também. Diz Frederico que iria me pedir para escrever algo sobre ele algum dia e eu já escrevera, ele descobriu. Fui lá no lugar cheio de computadores, entreguei os papéis na scanner e fiquei falando dos óculos que já não serviam mais, do piercing na língua, eu não podendo ser professora com o piercing na língua. Pensei nos mamilos. Paguei dois reais ouvindo as palavras de Frederico que odeia seu segundo nome. Blasfêmia! não pude me viciar a ele. Dois reais por umas digitalizações não sabendo das vontades. Dois anos de namoro; o barulho das botas e alguns arranhões. O que é uma carta? Calvino responderia se morto não estivesse antes de publicar a sexta conferência Norton. Calvino não entende que era importante pra mim, que sempre preferi seis a cinco, oito a seis e assim mesmo me faz passar as noites frio-quentes juizforanas aquecendo o pé em Se um viajante numa noite de inverno. Se.
   Ok, nós somos mamíferos, prezado Edu. A Amanda é uma ave, o poeta é uma ave.
Não. Não somos mamíferos. Eu minto. Vacilamos entre os dois e criamos bicos para mordiscar sem precisar decidir. Acho que é isso. Fico imaginando a Amanda voando na mesa com os guardanapos, te engolindo com os olhos verdes e os dentes alinhados. Toda a beleza não é por nada. Se fosse, ela te pediria desculpas. Mas ao contrário, ficamos cá pensando em pedir desculpas. Perdão por te ter desejável. Pelo amor de Deus, do seu ou da ausência do meu deus, perdoe as palavras que teci em você. É mesmo terrível declaração não ser hipérbole. Para resposta às coisas sinceras e indolores, silêncio. Falemos verdades. Ninguém liga pro micro-pênis do Napoleão ou pro pintão do Rasputín. O coitado do Gregori Rasputín carcomido em púbis lisa, mocinha decepada, virou atração de museu sem seu mega pênis flutuante em solução de álcool. Não sei se a questão é o tamanho, nunca achei que fosse. Muita gente gozou gostoso, mas o russo, ninguém coroou. Eu escreveria uma novela, um épico inteiro zen-transcendental se Napoleão morresse de velhice abraçado ao Rasputa ouvindo as canções de ninar do Ítalo Calvino. O Delacroix me colocaria pra dormir e eu dançaria a Macarena, juro. É que a gente sabe que a questão não é o tamanho, Edu. Somos medíocres demais pra isso. Todo caso acaba em três posições e uma chupadela. Não sei tocar realismos.
   Eu fico então tão alheia sabendo das coisas e andando a calçada reta sem pestanejar. Comecei falando dos Ornitorrincos, sabendo o que somos; metendo a pata, experimentando bicudos, arrepiando os pêlos, arrancando pena. Fecho a janela agora em frente sem dizer palavra, não esperando mais. Estou pensando em retomar os bordados, Edu. Não quis contar por e-mail porque você pode não achar, mas é boa notícia. Resolvi continuar sem mim, estudando libras por correspondência.



Sábado, 13 de Junho de 2009

Poema de quatro. 

Abrangem nus seus poros, a correria da pele.
A cruza corre em chamas açambarcando a noite
Deliberando o açoite
Dos teus olhos sobre os meus.

Esfera úmida’ndo brechas do meu no seu.
Me adestra o corpo, inebria o coito
Copuladas íris inveteradas
entre sis.

Cultuo e louvo teus vaivens
Escravizada por pupilas zens
Te abro em unhas, puxo o cordão.
Pago diariamente em teu corpo minha confissão.


Terça-feira, 23 de Setembro de 2008

Os dentes e o pêlo que faltavam em Dinho.



O
tombo do cachorro de Beatriz.



Ontem subi as escadas e visitei sua cozinha. Ela dizia que tem sentido saudades do Dinho. Pobre do Dinho -lamentava- morreu e esqueceu-se de cair. A gente passava ali todos os dias e já era parte integrante da sala, o cão intacto.

Seu fim começara há uns três anos antes, quando os dentes vieram a cair e Dinho ficou calvo. Dona Cris -a mãe de Bia- meteu o poodle deformado no banco do carona e foi guiando em direção ao veterinário. Dinho esforçava-se ainda em ser um bom cão, coitadinho de Dinho e suas orelhas minguadas, teimando no merecer do vento esvoaçando-as, despenteando-as em ínfimos fios a rolar no ar. Bia lembrava-se pesarosa da época em que saía pela rua com o cão e as crianças choravam nos decotes das mães um chamego com o animal. E o que restou, por fim, foram três dentes doentes e uns chumaços irregulares de pêlos pelo corpo. Mas Dinho não se entregou facilmente. Gostava de ser cão e de engraçar-se na janela dos carros espalhando sua baba e goma pelas portas num latido alto e dissonante, que poderia ser perfeitamente interpretado como a tentativa de bradar: "I’m the king of the world!"





Primeira morte



Dona Cristina desceu com o cão e entrou na sala fria da clínica. Era uma tarde de vento tão anti-inércia que Dinho não queria que o automóvel parasse nunca mais. O veterinário pegou o cão, abriu-lhe a boca e pôs-se a trabalhar nos tártaros tantos dos três dentes. Por cima da mão do médico, Dinho podia ver bem a janela e todos aqueles sinais de vento arrancando folhas, cortando os carros. Grunhia um reclame qualquer se sabendo só dos alísios, contra-alísios, periódicos ou monções. Parou de ouvir os carros, vislumbrar os ventos num repente. Puxou uma última lasca miúda de ar pra dentro e não respirou mais.




A Segunda



E era mesmo que de tanto gostar dos afazeres caninos, Dinho passou três anos numa linha interna de coincidências guiando as impressões alheias de forma a não levantar suspeitas sobre a morte. 

O veterinário dera instruções para o desmaio do cão dizendo que ficaria ali, desacordado, duro qual concreto por provavelmente duas horas. Coisas de anestesia. Dona Cris colocou Dinho na sala, de pé nas quatro patas rígidas, ostentando uma postura de vinte guerras vencidas. Bia voltou da escola, afagou o cabelo imaginário na cabeça do cão, sentou para almoçar e ela e a mãe comentavam palavras sobre a recuperação de Dinho que parecia finalmente não reclamar mais das dores, da feiúra incurável. Os tártaros, a partir dali, foram os vilões cruéis de toda a mazela que antes acometia o cão. Mãe e filha triplicaram os cuidados com a saúde bucal e gastavam muito mais com vidros de Cepacol que com arroz ou biscoitos recheados. Foram três anos de boca limpa e silêncio. Dinho era o cão perfeito. Não latia nem sodomizava as visitas; Dava um jeito em sua própria sujeira e não assinava móvel algum com suas mordidas. 

Por motivo ainda desconhecido, talvez questão de temperatura e incidência luminosa, salinidade do chão, do ar, ou outro argumento físico que o vaticano não explica, o corpo do defunto demorou três anos inteiros e alguns meses para começar a dar sinais de apodrecimento. O Cheiro estranho infestou a sala e os outros cômodos da casa. Beatriz procurava sob as camas, mesas e geladeira algum rastro do rato ou da colônia inteira de baratas que possivelmente apodreciam em algum canto do apartamento, mas nada. Tudo limpíssimo brilhando a alvejante. As duas continuaram assim, evitando visitas, acendendo incensos e pendurando cebolas nos cantos das paredes; até a tal linha de coincidências, guia das impressões alheias, intervir de mão leve, quase malvada.
Fazia mais uma manhã morna como tantas outras e dona Cristina, parada na varanda, fumava um cigarro. O odor pesado, quase gasoso preenchia o ar, e nos últimos dias as duas passavam mais tempo naquele cômodo da casa que em qualquer outro lugar. Lá onde havia cheiro de coisa alguma, muito aconchegante. 
Uns homens equipados de ferramentas troncudas e feias pararam lá embaixo, na porta do prédio, e começaram a perfurar qualquer coisa. Cristina, tomada por ânsias desconhecidas de quem não sentisse o cheiro que a agasalhava sem pedir, abaixou-se em noventa graus com o piso, ergueu ao lado da orelha direita o cigarro e correu. Movia os pés como fazem os ratos em aquários sem sentido, adentrando o corredor e voltando para a sala. Gritava com todo o som que podia produzir: "Vai explodir! A casa vai explodir! Vai explodir!" Beatriz, desorientada, não enxergava a combinação da mãe de todo aquele barulho com o peso do ar. Uma fagulha que fosse e tudo pelos ares. As portas, camas, frutas e batatas não picadas; tudo negro, nu de fogo. O teto, as cômodas, panelas e mesas destampadas em fagulhas lá no céu. Cena apavorante e era tudo o que Cristina podia ver. Rodava só faltando anáguas para baiana no carnaval, com Beatriz de mestre-sala ao redor cercando em braços e tentando entender o samba. O que foi? O que foi? Em meio aos pontos de interrogação inclinados Bia chutou algo duro que a canela doeu fino. O silêncio reinou soberano. Era Dinho de lado. Dinho tombou sem cessar, rígido e paralelo ao chão.
Não foi tão poética quanto a primeira, a morte do cão. Não havia um sujeito submetido a brocas e ausência de tártaros, nem vilões combatidos a pasta e Cepacol. Existia o silêncio e o vazio de entender o silêncio; o rosto deformando as formas de antes do minuto passar com todos os seus predicados; Havia Dinho muito sozinho e singular em seu tapete. 
Beatriz e Cristina reservaram uma lápide e compraram um pequeno caixão para que o cão finalmente descansasse deitado, debaixo de um vaso onde havia sempre flores que sentiam o vento, espalhando esporos pelo ar.




Sexta-feira, 15 de Maio de 2009

Aula de Francês




Problematizando inter ações em Tiê e Spektor.



Aujourd'hui j'ai fais une chanson,
ça c'est très elegant,
un oiseau, como se diz?
Est entré par la fenetrê e parou.

J'appelle pour mon chat:
ou tu veux ou tu veux pas.
Como vai você?
Actuellement, je been travaillé.
La famille jouit d'une bonne santé.
Bonjour madame, s'il vous plaît.
O que você vai querer?



Je veux deux brioches et un café au lait pour la journée.
Pois agora
j'ai du sommeil.


.
Thought I'd cry for you forever
But I couldn't
...

so I didn't.


O que você quer?

Eu sei
, je sais.

La ra la ra la la
Pensei que choraria por você pra sempre.
Mas eu não poderia
...

então não chorei.
me encontre agora lá na esquina do hotel.


La ra la ra la

moi je serai toujours chez toi.

Pessoas perdem filhos
e nem elas choram pra sempre.

pensei que veria sua face
in my mind for all time


Mas eu não me lembro mesmo
what your ears looked like



Fecundação in vitro; Trilinguidades. Tiê e Regina Spektor.


Segunda-feira, 29 de Setembro de 2008

Os cheiros das coisas

Bee-atriz
Abelhatriz





Beatriz anda pela casa de meias e cachecóis enroscados do pescoço às pernas. Muito cedo já pensava no tempo como uma unidade flexível girando em torno de si mesma; transtornando as percepções de espaço, escrevendo fundo na cara o quão óbvias seriam as soluções de tudo. Foi suplício sempre, equilibrar-se de pé a pé no pontilhão retilíneo e estreito da normalidade. Entender as caras de nada sinto e rir pelos cantos num nada sou também, -Também! ah-ha, eu também! Ok, casemo-nos.
Ninguém nunca quis saber a verdade das letras, dos sons e dos poréns de ser assim ou assado. Ninguém nunca quis, de verdade, saber. Quando aparece alguém que inibe a constante indiferença por definir, o mundo gira mais devagar, as órbitas nos olhos confundem-se com pálpebras e sobrancelhas cerradas no ofício de atrapalhar quem observa o confuso.



Bia segue atenta ao despudor ao qual às vezes se submetem as expressões. Existe nelas um desejo pela nudez, pelo descascar de definições que se realiza com os neologismos e contradições.
Era uma das 153 vezes que alguém olhara torto, encarando a gargalhada da moça, mirando pudico. A mulher tinha cara de pneu de bicicleta, ora essa! A verdade; era sempre a verdade enroscada nas orações que Bia deixava escorrer no meio de seu discurso. Uma observação entre uns parênteses exclamativos, sem malícia, e é verdade. A mulher virou o pescoço quase encostando no ombro direito, tentando entender. Beatriz tentava explicar, mas todas as contradições existentes entre o campo semântico de pneu e cara decidiram dar palpite. Daí, foi o alvoroço de sempre. As pessoas interrogavam sem parar, querendo saber qual seria a denominação de suas aparências coisificadas. Não era assim... não funciona assim. Mas ninguém compreende a textura dos conceitos no emaranhado tropical de cheiros das lembranças nas imagens.
Foi a coisa do cheiro que chamou primeiro minha atenção. Cristina dirigia e Bia dizia do cheiro de foto que tinha a música do rádio. Dona Cris se esquivava irônica: “Olha, a culpa disso não é minha.” Pensei que não é mesmo culpa dela a beterraba ter cheiro de milho, ou a música dos sonantes cheirar a escada. Não é culpa, não é imaginário ou transcendental, é constatação de olfato.




Pois bem, vamos brincar de analogia.



Era uma vez uma menina muito risonha. A menina ria e adorava comer caquis pensando que comia tomates. Brincava com as coroas de rainha e sentia medo de sentir gosto de tomate lá. Cresceu pisando em notas musicais que sujavam, cada uma, cada pé de uma cor.



Mi
Sol - Suja o pé de cinza que é da cor de chaminé
Si



Quando chegou o tempo de já alcançar as notas com as mãos, colocava a roupa mais surrada antes de tocar o violão que cuspia tinta difícil de lavar. Daí, Sinestesiando, catava músicas cheirando pontos de ônibus e jornal.
Andava na rua perdida em meio a toda aquela gente com cara de outono saltando as folhas indiferentes pelo chão.
Um dia conheceu uma pintora com cara de ilha com coqueiros, que quis fazer o seu retrato. A moça pintou em tela e óleo de tantos sons, um picadeiro salpicado de estrelas sobrepostas à lua quase cheia num fim de tarde preguiçosa de domingo.
Ainda hoje, Bia ri. Mas é fácil chorar lágrima insossa quando encontra alguém que não tem cheiro nem tem cara de nada.

2 comentários:

  1. que delícia de textos, Ju. Muito gostoso te descobrir nesse cantinho aqui tb. =]

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    Respostas
    1. Que bom você por aqui também, nêgo.
      Muito interessante a ideia do seu blog, lerei mais atentamente.
      Beijos!

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