16 de agosto de 2011

À manhã.

Onde não resido, resisto

Imóvel, atenta, volátil.

É a cidade e o grito mudo da manhã. No passeio público, moços atrasam a madrugada no calcanhar, e na calçada oposta as mães decolam crianças, maçãs, agasalhos e mãos dadas. E tudo pesa, tudo guarda, preservam as suas mazelas usando cintos e soutiens.
Soam senis os passos, seus pulôvers grossos sobre a pele fina e os jornais macios tecendo as sinfonias de amanhã. Máquinas e moscas, macacões e máscaras, manequins e bolhas pagam preces rotas, redundam o destino construindo uma diária epopeia de vento, vapor e brasa.
Franze a cara, a manhã. Carrega caixa, molha barriga, umedece rosto, tonifica pálpebras, ruboriza lábios apresentando dentes à manhã. Todos gritam mudos, o café-remédio dasanima o sono, repõe os pontos abertos daquele parto negro, furta a cor.
Pousa o pão no prato, o batom no copo, rasga o guardanapo a maçã do rosto, e o menino morde a massa, a folha, a coxa, a manhã.

Um comentário:

  1. Algo na cena me fez lembrar Almodovar (e, garanto, não é por causa das "preces rotas").
    Muito legal!

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